A rotina se repetiu por mais de 10 anos: de duas a quatro vezes por semana o motorista transportava malotes com quantias que variavam de 7 mil a 20 mil reais em cada viagem. Sozinho, desarmado e sem treinamento, ele fazia o transporte de valores em um carro pequeno e sem blindagem no interior de Mato Grosso, entre as cidades de Pontes e Lacerda, Conquista D'Oeste, São Domingos, Mirassol D'Oeste, Curvelândia e Jauru.
Nesse período, foi assaltado duas vezes a mão armada. No primeiro, os bandidos roubaram 33 mil reais e, no segundo, levaram objetos e dinheiro pessoais, nunca ressarcidos pela empresa.
Contratado como motorista de carro leve por uma empresa de transporte de valores, ele carregava malotes contendo dinheiro, documentos e cheques para agências e correspondentes bancários das cidades do oeste mato-grossense onde sua empregadora não dispunha de carro forte.
Ao acionar a Justiça do Trabalho, o motorista afirmou que o serviço o deixava exposto a risco diariamente, gerando danos psicológicos e morais para si e economia para a empresa, que pode deixar de contratar dois vigilantes por quase uma década e, assim, reduzir seus custos em quase 500 mil reais, conforme cálculos apresentados pelo trabalhador. Por tudo isso, pediu a condenação da ex-empregadora em danos morais.
A empresa, por sua vez, defendeu-se dizendo que os valores transportados eram inferiores ao montante permitido pela Portaria 3.233/2012 da Polícia Federal, que regulamenta as atividades de segurança privada. Disse ainda que o motorista nunca informou qualquer situação de risco, nem mesmo de momento de aflição ou similar.
Ao analisar o caso, a juíza Michelle Saliba, em atuação na Vara do Trabalho de Pontes e Lacerda, ressaltou que a Lei 7.102/1983, que trata do tema, determina que o transporte de valores deve ser feito por empresa especializada, ou pela própria instituição financeira, com pessoal devidamente qualificado para esta finalidade. Ao regulamentar essa lei, o decreto 89.056/1983 estabelece a quantia em dinheiro que pode ser transportada em carro especial (carro-forte) e carro comum e, neste último caso, prevê a necessidade de dois vigilantes.
A norma assegura ainda ao vigilante uniforme especial custeado pela empresa, porte de arma e seguro de vida em grupo, também a cargo da empregadora. Além disso, permite que, quando em serviço, o vigilante porte revólver e utilize cassetete e, ao transportar valores, é permitida a utilização de espingarda, de fabricação nacional. “Tais garantias asseguradas ao vigilante pela indigitada lei bem como a observação do que notória e ordinariamente ocorre (frequentemente vê-se nas ruas, em frente às instituições financeiras, carros blindados, com três ou quatro empregados com coletes a prova de balas, e fortemente armados), revelam os altíssimos riscos envolvidos nessa atividade de transporte de valores”, destacou a magistrada.
Assim, após comprovadas as afirmações do motorista, inclusive com a confirmação por parte da empresa quanto à rotina do ex-empregado, a juíza avaliou que a empresa “expunha, de modo deliberado e contumaz, seus empregados a perigo, fora dos limites aceitáveis”, notadamente por não fornecer o aparato de segurança previsto na legislação. Além dos dois assaltos ao motorista, a testemunha ouvida no processo relatou que, mesmo após ter sofrido cinco assaltos, a segurança permaneceu falha na empresa.
Conforme ressaltou a magistrada, a empresa cometeu ato ilícito e, assim, atraiu a responsabilidade pelo dano, ao obrigar empregado despreparado a fazer transporte de dinheiro, expondo-o a perigo e o fazendo temer por sua vida, integridade física e psicológica, em um constante estado de vigília, medo, pressão e temor. Tudo isso em ofensa a dignidade da pessoa humana.
Nesse contexto, a magistrada avaliou presentes o dano, a culpa da empregadora bem como o nexo de causalidade, condenando a empresa a compensar o trabalhador pelo dano moral.
Por fim, fixou a quantia em 10 vezes o salário do motorista, levando em conta balizas como as circunstâncias em que os fatos ocorreram, a duração do ilícito, o caráter pedagógico da decisão, além da capacidade econômica da empresa bem como evitar o enriquecimento sem causa do trabalhador.